O que é Representação? A Ponte entre o Real e o Simbólico
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- 7 de out.
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Atualizado: 15 de out.
Antes de pensar em atores representando personagens ou em políticos representando eleitores, é preciso entender a Representação em seu sentido mais radical e primordial: ela é o mecanismo fundamental pelo qual a consciência humana dá sentido ao mundo.
Tudo o que conhecemos – desde a imagem de uma árvore em nossa mente até os mapas que usamos para navegar cidades, os ritos que repetimos para aplacar o divino e as metáforas que empregamos para descrever o amor – passa por esse processo de tradução da experiência em signos.
Este texto não fala da representação midiática ou política, mas da própria arquitetura simbólica que nos permite construir, habitar e, por vezes, distorcer a realidade.
Para Aristóteles, na Poética, a representação (mimese) é um impulso humano fundamental: "o homem imita por natureza". Mas longe de ser uma cópia passiva, a mimese é uma recriação seletiva que revela verdades universais sobre a condição humana. Enquanto a história narra o que aconteceu, a poesia (a arte) representa o que poderia acontecer – e nesse "poderia" reside seu poder de nos mostrar padrões mais profundos da realidade.
A Evolução de um Conceito: Da Imitação à Construção
Se Aristóteles via a representação como uma lente para o universal, pensadores posteriores exploraram suas complexidades:
Walter Benjamin, em "A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica", mostrou como a fotografia e o cinema transformaram a representação. A "aura" única da obra de arte se perde na reprodução em massa, mas sua capacidade de atingir multidões a torna uma ferramenta política poderosa.
Guy Debord, em "A Sociedade do Espetáculo", levou a crítica adiante: a representação não reflete mais a realidade – ela a substitui. Vivemos imersos num "espetáculo" de imagens que medeiam todas as relações sociais.
Michel Foucault revelou que a representação nunca é neutra. Ela é moldada por estruturas de poder e saber que determinam o que pode ser dito, visto e considerado "verdadeiro" em uma época.
Exemplo de o que é representação no campo das Artes
No cerne da discussão sobre "O que é a representação?", a arte surrealista oferece uma perspectiva radical: ela não busca representar a realidade aparente, mas sim dar forma visual ao invisível – o inconsciente, o onírico, o simbólico. Salvador Dalí levou esse princípio ao extremo, criando representações que desafiam a lógica do mundo material. Sua obra "Os Elefantes" é um caso paradigmático, onde a representação não está a serviço da fidelidade visual, mas da manifestação concreta de uma realidade psíquica e subjetiva.

Existem várias categorias e tipos de representação, que variam de acordo com a área do conhecimento (filosofia, arte, semiótica, ciência política, etc.). Podemos identificar tipos de representação baseados na relação entre o que é representado e a realidade.
Aqui estão os principais tipos ou categorias de representação:
1. Representação Mimética (ou Icongráfica)
É a forma mais intuitiva de representação: a imitação fiel da realidade aparente. O objetivo é criar uma ilusão de realidade, copiando as formas, cores e proporções do mundo natural.
Exemplo: Uma pintura realista do século XIX, uma escultura grega clássica ou uma fotografia documental.
2. Representação Simbólica
Aqui, a relação não é de semelhança visual, mas de convenção. O signo representa algo através de um acordo social ou cultural. Não há uma semelhança necessária com o objeto representado.
Exemplo: Uma bandeira representa uma nação, a palavra "cachorro" representa o animal, um coração representa o amor, a justiça é representada por uma mulher de venda nos olhos com uma balança.
3. Representação Abstrata
Esta categoria rejeita a imitação direta da realidade. Ela busca representar ideias, emoções, estruturas ou relações puras, muitas vezes através de formas geométricas, cores e linhas que não têm correspondência direta no mundo natural.
Exemplo: As pinturas de Wassily Kandinsky ou Piet Mondrian, que buscavam representar o "espiritual na arte" ou "harmonias universais".
4. Representação Conceptual (ou Ideativa)
Neste tipo, a ideia por trás da obra é mais importante que o objeto físico ou sua aparência estética. A representação serve a um conceito intelectual.
Exemplo: A obra "A Fonte" (o urinol) de Marcel Duchamp. O objeto em si é um ready-made, mas sua representação no contexto de uma galeria de arte questiona conceitos de autoria, valor e o próprio sistema da arte.
5. Representação Afetiva/Expressiva
O foco aqui é representar os sentimentos internos, as emoções e a subjetividade do artista. A realidade externa é distorcida para transmitir um estado de espírito.
Exemplo: O grito na pintura homônima de Edvard Munch, ou as obras expressionistas em geral, onde as pinceladas e cores violentas representam a angústia e a paixão humanas.
6. Representação Onírica/Surreal
Como vimos com Dalí, este tipo busca representar o conteúdo do inconsciente, dos sonhos e do imaginário. Ele combina elementos realistas em contextos impossíveis e ilógicos, criando uma "realidade além da realidade".
Exemplo: As obras de Salvador Dalí, René Magritte e Max Ernst.
O Paradoxo Contemporâneo: Entre o Espelho e a Distorção
Hoje, esse conceito se tornou um paradoxo vivo. Buscamos desesperadamente "representatividade" nas telas – queremos nos ver refletidos. No entanto, sabemos que nenhuma representação é inocente: toda imagem é um recorte, uma interpretação, uma versão que esconde tanto quanto revela.
A pintura renascentista buscava a perfeição ilusionista; o modernismo, com Picasso, distorcia as formas para mostrar verdades emocionais invisíveis. Essas mudanças mostram que representar não é copiar, mas interpretar – e toda interpretação carrega perdas, invenções e, sobretudo, um ponto de vista.
Representar é traduzir o mundo em signos, e toda tradução é, ao mesmo tempo, traição e revelação. A representação nunca é apenas um espelho passivo: é um filtro ativo que constrói sentidos, reforça ou desafia poder, e nos convida a questionar continuamente: o que está sendo mostrado? O que está sendo silenciado? E quem controla esse enquadramento?
Este texto é um apoio ao review do livro A Poética, de Aristóteles.
Lá, exploramos como o conceito de mimese criou as bases para entendermos a arte como ferramenta de conhecimento.



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